terça-feira, 23 de novembro de 2010

Cultura brasileira?

A trivialização do divino, a espetacularização do mundo, a corrupção do dizer que visa um dizer desvairado, libertino, lascivo – que é isso que ora se instaura na cultura brasileira? Ou quem sabe se já não estivemos desde sempre construindo a nossa identidade com as farpas de tais princípios?

Ora, o divino... (?) Perguntaríamos sem constrangimento, já anunciando a idéia de que tal referência não ocupa mais as nossas reflexões cotidianas. Pois “divino” é qualquer coisa que se adora, como o astro do cinema, o sabor de um refinado prato, as impressões causadas pelos efeitos especiais cinematográficos. Nem mais aquela referência platônica, nem a referência escolástica de Tomás de Aquino, nem mesmo o recuo cartesiano diante da igreja, e muito longe das considerações de Nietszche sobre o descabimento metafísico. Agora, qualquer coisa que preencha o espaço de nossas superficialidades dialógicas. O brasileiro aproximou o divino à ideia do “ridículo”. Coisa com a qual se pode fazer algum dinheiro. E mesmo quando diz firmemente “Deus”, o faz sob a égide da exceção, como lastro de um mundo de valores materiais inexorável.

Não é a toa que, diante da falta do divino, essa lacuna exija preenchimento. É aí que nasce a necessidade do espetáculo, da apresentação do “curioso” como “diversão”. Convém essa palavra – diversão –, pois refere aquilo que é diverso, que diz e aponta o “diferente”, o “dessemelhante”. Se ocupar com o diferente é também manter-se na disposição de desencontrar-se do comum, daquilo que atua e se instaura “como-um”, o uno, o absoluto, o Ser divino. Encontra-se aí um povo que contempla e invoca o divertimento, como se o “comum” o remetesse para o lugar da exigência reflexiva. Será que queremos (necessitamos) do espetáculo porque não nos interessa pensar? Divertir, divergir, digressão, distração – do que temos receio?

Mas o que pode alguém dizer de uma lacuna (de um espaço deixado) que tratou de preencher com a unidade espetacular senão o desvario? Pois enquanto estamos ocupados com o “divertido” associamo-nos à “grande aberração”, ao disparate. Sentimo-nos orgulhosos desse ato de loucura, desse passeio carnavalesco, dessa depravação dos costumes, assumindo o caráter libertino como justificativa para afirmar a “vida plena”. Temos essa propensão para a sensualidade, essa lascívia, essa lubricidade que se mostra enquanto algo que não impede o movimento de deslizar ou escorregar “para fora de”. Queremos estar fora do “como-um”, queremos estar distantes do divino, queremos estar de caso com o espetáculo, com aquilo que nos “diverte” (que nos coloca fora do comum).

Desde a “Lei de Gérson” aprendemos a referir essa disposição bem brasileira de fugir do comum (do comum acordo?). Exigimos a liberdade e nos atiramos a ela através das mais variadas vias. Queremos nos manifestar. Mas de que modo? Trivializando o divino, fazendo de nós mesmo um objeto de espetáculo, articulando um discurso que encontra em seu desvario a possibilidade de nos divertir.

Quando vejo alguém falar de Cultura Livre (como se houvesse qualquer liberdade em qualquer cultura ou como se toda a cultura estivesse de algum modo antes aprisionada) reconsidero a própria Cultura: será que o que temos aí, que nos identifica enquanto brasileiros, foi aquilo que cultivamos ou aquilo que nos furtamos de cultivar, a saber, o divino?

Parece trivial, mas estamos esquecendo do divino.

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