sábado, 24 de julho de 2010

Livros e Silícios

Progresso econômico. Essa expressão implica tanta coisa que se iniciássemos qualquer conversa de bar teríamos argumentos para toda a noite.

A discussão ora ensejada sobre o ciclo de vida do livro em papel está em conchavo com as necessidades de progresso da economia. Há, inclusive, livros que discorrem sobre a importância da mudança dos paradigmas para a saúde dos negócios, como A Estratégia do Oceano Azul, de Renee Mauborgne (aliás, originalmente publicado em papel –interessante como os americanos conseguem fazer de uma obviedade um Best-seller; a autora investe 232 páginas sem acrescentar nada a mais do que foi dito na introdução!). A consideração sobre as vantagens do fim do livro em papel é uma consideração interessada. Evidentemente, o interesse não é o fomento à cultura pelas vias dos readers de silício. O interesse está onde sempre a economia avista os seus mais promissores horizontes: enriquecer muita gente.

O livro digital não vai acabar com o problema da falta de cultura geral, e nem de longe poderá minimizar problemas como a poluição dos rios, o aumento da temperatura do planeta etc. A vida de silício depende de carga elétrica, bilhões de células fotovoltaicas, bilhões de baterias, bilhões de megawatts de energia elétrica para manter seu processo de produção. Energia totalmente diversa daquela que faz crescer uma árvore. A vida orgânica estabeleceu seu ciclo de reciclagem, que trabalha em prol da própria vida orgânica. Muito diferente da vida de silício.

Mas estou sendo um tanto romântico aqui e me afasto do assunto principal – o livro.

Jean-Claude Carriére
Recentemente, os escritores Jean-Claude Carriére e Umberto Eco discutiram o assunto do fim do livro. Essa discussão foi publicada sob o título Não contem com o fim do livro. A citação de Carriére que me interessou foi “...Saber se o livro vai continuar a existir é questão banal que se responde em três páginas. Mas quisemos definir o livro, saber o que é e o que contém. Além disso, falamos de memória, da transmissão de uma geração a outra (...) Acompanhei de perto: há 50 anos as bibliotecas tentam guardar os livros, porque os atuais certamente não poderemos ler daqui a 200 anos. O real problema de hoje é a rapidez com que uma técnica substitui a outra (...) É possível pegar um livro do século XV, mas não poderemos ler um e-book que tenha 15 anos”.

Exatamente, do que trata Carriére nessa citação? Fundamentalmente, ali está inextricavelmente representada a noção de obsolescência. Um livro em papel sempre poderá ser acessado por gerações e gerações, mas o livro digital, energizado pelas estruturas microscópicas de silício, dependerá sempre da tecnologia para se manter vivo. As tecnologias morrem e se tornam obsoletas, inúteis. Os dados armazenados em mídias “eletrônicas” dependem inexoravelmente de hardware e software adequados para que possam ser acessados. Se a internet “quebrar” onde poderemos ler a história? Nos livros!

Há outro aspecto que me desespera sobre a “cegueira” cultural em torno do livro digital. Conheço alguns geeks, gente viciada em tecnologia. Alguns deles exibem seus iPads e me informam: “Já baixei mais de 50 livros no meu iPAD! Toda a noite, quando navego pela internet e acho um livro digital interessante, faço o download para o meu iPAD!”. Não consigo deixar de perguntar a essa gente quantos desses livros “baixados” eles já leram, e para a minha confirmação, muitos dizem que leram um ou outro. A conclusão é tragicômica: o “barato” (gíria antiga) não é ler o livro e sim fazer o download do livro!!!

Frequentemente me surpreendo pensando na ideia (simplória) de que o mundo está se dividindo em duas grandes categorias de pessoas: as que se ocupam com downloads e as que se ocupam com o aprendizado contínuo. Lamentavelmente, acho que a segunda categoria está indo de mal a pior. Estamos tão envolvidos pela vida de silício que a vida orgânica já nem levanta mais da frente da tela de LCD.

Em suma, creio que o livro eletrônico não necessariamente incentiva a leitura. O que ele desenvolve, e de modo totalmente inadvertido, é um vício inconveniente - o vício do download. E isso é droga pesada.

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