domingo, 20 de fevereiro de 2011

Os Despertos - Fragmento 5

Bonita, além dos meus reparos, era a mulher. Julguei sua juventude, no altura dos vinte e sete anos, pelos cabelos castanhos, longos e soltos, simples no jeito de se vestir. Por um instante observei a circunstância, enquanto ela se distraía com um livro finamente encadernado, de biblioteca.


A menina, alheia, brincava, riscando a terra úmida com um galho seco, os lábios contraídos, por fazer caras e bocas. Ela explicava à mulher, vez em quando, o que fazia. Creio que sorri, pois atraí um olhar dissimulado. Virei o rosto, no tanto por cuidar entre os arbustos aquele nada que justificaria a minha presença. Até que tudo outra vez encontrou o caminho para cruzar os olhares, para inventar um sorriso, por simpatia.

Quis decifrá-la, desde os trejeitos da menina, com suas reações. Mãe jovem, o jeito suave de responder à garotinha, educada, meiga, distraída de outras preocupações – apenas vivendo.

"Apenas vivendo...", expressão que tanto dizia de mim. Encontrava talvez alguma poesia naquela mulher e seu livro, com a menina preenchendo o momento; cativavam-me. Os traços daquela discreta sensualidade nos olhos, um convite inadvertido, alguns sentimentos adormecidos que se espreguiçavam na alma, algo que se fora com Isabela e que já então anunciava que havia mais. O sentimento nublava os pensamentos ao ponto de me sentir preso ao banco e à praça. Adolesci, enquanto a observava, como quem procura uma brecha para fazer parte de um grupo. Que acontecia? Que jeito era aquele que me tomava? Nem a conhecia! Como podia me perder assim?

Sem que eu percebesse, a menininha se aproximou com uma pequena flor amarela, alguma flor de campo. Despertei.

— Viu que florzinha bonitinha que eu achei? – arregalou os olhos, apertando o sorriso. — É uma flor-filhotinha! – o rosto rosado me roubou a espontaneidade.

— Filha, não incomoda o moço!

— Eu achei ela ali, olha, debaixo daquela árvore triste – o dedinho apontado para um chorão que perto se debruçava.

Sorri e cheirei a flor para fingir a descoberta de um perfume raro. Para impressionar, dito.

— Como sabes que ela é uma árvore triste?

— Porque ela tá toda caída assim, olha! – imitou com os braços os galhos que despencavam na terra.

— Filha, o moço tá tentando descansar... – a voz suave de um pedido implorado.

— Não se preocupe. Não incomoda. Aliàs não é sempre que eu reparo em uma flor...

Frase estúpida. Como dizer aquilo? O desconforto com as palavras foi imenso, denunciava o desbotamento do meu espírito, meu tédio, meu desgosto. Distante do que queria, quando achei que devia parecer interessante. Algo mais poético, talvez. Não. Também seria falso. Ela perceberia.

(Fim do Fragmento 5)

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