segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Fazendo Arte

De repente, um prenúncio.


Assustada, ali no ar rarefeito, com a vertigem curvada sobre a alma dos gases troposféricos, se descobre plena de altura e calafrios. O peso de toda aquela umidade sobre os ombros não é medo, é novidade. O céu chovediço já não segura. Abraçada às milhões de irmãs, eletrostaticamente carregada, na nuvem mãe que regurgita relâmpagos, ela hesita. Depois, profundos resmungos do ar rasgado escurecem o horizonte. Estremece. Intuitivamente, segura nas mãos úmidas das companheiras e despenca.

Assim, de início, em devotado suicídio coletivo, elas conformam o halo translúcido. A rudeza do ar, diligentemente, separa uma a uma - gotas. Está sozinha agora, prisioeira do vetor da gravidade. Embaixo, qualquer cápide aguarda.

A menina colhe a primeira delas com a palma da mão; a segunda beija a testa, uma outra cai no solo cobiçoso. Depois chegam as outras tantas, meteoritos hidrogenados de oxigênio, espatifando-se contra as migalhas de ágatas, cascalhos e cristais de rocha, buscando abrigo nos sulcos dos arados, nos veios da terra. E a criança encolhe os olhinhos verdes, de boca aberta, língua de fora - gosto de chuva.

Da soleira da porta a mãe avisa:

- Sai desse aguaceiro, Dionísia!

Pisoteia o barro, descuidada de tudo, cabelos escorridos, vestido ensopado, encharcando meia e sapato, mãozinhas sobre a cabeça fingindo telhado. Da brincadeira até a casa, corre uns poucos metros, carregando uma liberdade que sorri.

A terra toda chia, os rios aligeirados: a gota solitária, enfim, reencontra suas irmãs - deslizam nas correntezas microscópicas do solo então saciado.

- Viu que chuva linda, mãe?

A mãe não vê. Perdeu o gosto pelos detalhes.

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