Escrevi o texto abaixo durante uma das aulas do Prof. Ullmann durante a minha graduação em Filosofia. Fiz de brincadeira e lembro que ele me disse: "Mas você entendeu a filosofia de Plotino, então!". Reproduzo aqui essa relíquia de tempos que já não mais voltarão, em homenagem a esse Teólogo e Filósofo gaúcho que faleceu nesse último dia 26 de julho de 2010. *******
"Você sabe que eu não me importo com as aparências, Fedônia. Esse mundo material me incomoda"
"Também! Do jeito que a coisa anda, né! Guerra, fome, pestes: onde é que esse mundo vai parar?"
"Bem, pelo menos ouvi dizer que tem um grupo novo na cidade. Dizem que vão decretar o fim do politeísmo. Cristãos, eu acho.... Isso é bom. Sabe, andei pensando..."
"Mas é só o que tu faz, homem! Passa o dia pensando! Não faz outra coisa!"
"Que ápice, homem?"
"Sabe o mundo sensível?"
Ela balancou a cabeça impaciente.
"Pois é, fico pensando se essa diferença entre o mundo sensível e o mundo inteligível existe de fato. E sabe de uma coisa? Acho que são distintos sim".
"E daí? Em que te ajuda isso, homem?"
"O Uno".
"Que tem o nosso carro?"
"Tô falando do Uno, do Absoluto, do Inefável, do Indizível!".
"Quanta gente, Meu Deus!"
"Isso mesmo: Deus!"
"Que tem ele?"
"A gente precisa conhecer Deus..."
"Quando é que ele vem aqui em casa?"
"Você não entende, né? Deus só pode ser encontrado se na caminhada do conhecimento galgarmos quatro niveis..."
"Galgarmos? Eu, hein! Vai galgar sozinho. Vou limpar a casa que eu ganho mais!"
"Você não entende. O auto-conhecimento.... é essencial".
"Plotino, deixa de ser imbecil. É claro que eu me conheço. E isso é essencial! Do contrário eu não atenderia quando você diz: "Fedônia, me traz vinho! Fedônia, me traz pão!"... (Cada coisa que tenho que ouvir...)".
"Não! Escuta! Presta atenção! Se eu me esforçar bastante em me conhecer, em distinguir aquilo que é o conhecimento das coisas sensíveis do conhecimento inteligível, então é possível encontrar o conhecimento extático. Desse modo eu posso me postar à frente do Uno".
"Ia morrer atropelado, seu besta. Eu é que não fico na frente do Uno. Ainda mais quando é você que está dirigindo".
"O que eu quero dizer é que as almas humanas preexistem na Alma do Mundo, que por sua vez deriva do nôus, que é expressão do Uno no homem. A alma se separou do mundo inteligível..."
"Coitada! Vai viver do que agora? Ela nem trabalhava".
"Ela está expressa no mundo, mas justaposta no corpo, como se dele fosse prisioneira..."
"Agora entendo por que ela se separou... Faz isso comigo, pra tu ver o que eu faço! Experimenta! Experimenta!"
"Quer prestar atenção? A alma carrega uma faculdade perceptiva que lhe permite uma receptividade sensitiva, percebendo dos objetos as suas formas, enquanto qualidades que existem independentes de nós. Sendo assim, o conhecimento sensível, possibilitado pela sensação, representa o nível mais baixo de conhecimento. A alma pode se conformar como aquilo que é sensível, uma unidade entre a alma e as coisas..."
"Você está drogado de novo, Plotino?"
"Mulher, presta atenção! Isso é importante! Pra que isso ocorra, os órgãos sensoriais necessitam de um essência cognoscente - lógos..."
"Já quer trocar o Uno?"
"Como assim?"
"Sim, já tá falando do Logus. Tá insatisfeito com o nosso Uno?"
"Você não está entendendo, não é mesmo?"
"Capaz! To prestando uma atenção..."
"O que eu estou tentando dizer é que se as coisas existem independente do sujeito cognoscente, então existe uma relação sujeito-objeto".
"Isso é feio."
"O que?"
"Essa relação do sujeito com o objeto. Já vi isso antes. É nojento!"
"Mas será que você não leva nada à sério?"
"Tá bom, tá bom. Continua, vai, meu licopolitanozinho!"
"Veja: se não há identidade entre sujeito e objeto, então o dualismo resultante é que dificulta encontrar o Uno. O homem precisa renunciar o dualismo, desapegando-se do mundo sensível, voltando-se para si mesmo, buscando uma simplificação que se assemelha com o Uno, entende?"
"Elba".
"O que?"
"A Elba se assemelha com o Uno".
"Mas você só pensa em carro, mulher? Isso é filosofia!"
"Eu sabia! Aquela vadia! Então anda dando em cima dela, hein? Se eu pego essa mulher..."
Ele não respondeu. Bateu a porta com violência e se foi. "Áphele pánta", foi a última coisa que pensou. Tinha que seguir sua intuição. Haveria de encontrar o Uno, afinal. Mas longe daquela mulher!
Tive o prazer de estudar com o Prof. Ullmann em tres semestres, com certeza o mundo perdeu uma mente brilhante.
ResponderExcluirEduardo